Por: Natali Macedo
Entre os jovens, a incidência é maior: Na faixa etária de 15
a 29 anos, apenas acidentes de trânsito superam o suicídio. Neste grupo, as
mais afetadas são as mulheres (não por acaso, o gênero que é treinado para a
dependência emocional).
Sintomaticamente, o jogo da Baleia Azul é viral. São 50
desafios que envolvem automutilação e atividades arriscadas em geral. O último
desafio é tirar a própria vida: só assim, eles dizem, você ganha o jogo.
“Ganhar o jogo”, para muitos de nossos adolescentes, é se
livrar da obrigação de continuar vivendo – e se isso não te choca, bem, eu
desisto.
Por que, afinal, é mais provável que as pessoas queiram se
matar quando são jovens?
Porque os velhos já se conformaram.
Quanto mais jovem se é, mais coisas são uma questão de vida
ou morte. Quando se é jovem, absolutamente tudo parece irreversível.
Na adolescência, então, é sempre tudo ou nada, então não é
exatamente estranho querer abandonar um mundo que não te entende e, sobretudo,
um mundo que você também não entende.
Deve ter acontecido na sua família. Ou na família de um
amigo. Ou com o amigo de um amigo. Ou com o próprio amigo. Não é difícil que
você conheça uma história de suicídio ou de tentativa de suicídio: acontece
todo dia.
Aconteceu comigo. Na época, morri de vergonha. A única
frustração foi não ter conseguido – porque eu não tinha medo de morrer, eu
tinha medo de viver.
Disseram que eu só queria chamar atenção. Era falta de Deus.
Falta de amor. Falta de porrada. Na verdade, não era nada disso: era depressão.
E se eu não tivesse uma família e amigos que compreendem a depressão –
compreendiam mesmo antes de 13 reasons why, por exemplo – talvez eu nem
estivesse aqui.
Talvez eu nem tivesse descoberto que as prioridades mudam, o
sol abre novamente, os anos passam e doenças psíquicas são perfeitamente –
embora não facilmente – tratáveis.
Talvez eu nunca tivesse saído daquela fase em que você
desiste facilmente porque afinal não há muitas razões para não desistir: você
ainda não tem quase nada, você ainda não sabe quase nada, você ainda não é
quase nada – e a vida te bate mesmo assim.
A questão do suicídio (entre os adolescentes, sobretudo) é
urgente e inadiável. Não dá mais para trata-la como piada, embora tantos
insistam. O jogo da baleia azul não é o problema: é apenas uma parte ínfima –
quase desprezível – do problema.
Aliás, encaremos os fatos: o problema é que somos uma
geração f... (e enquanto não houver uma verdadeira mudança de paradigmas, as
próximas gerações serão cada vez mais f...).
A nossa geração ainda se importa pouco com doenças
psíquicas, ainda trata como loucos os psicoatípicos, comove-se com uma série bem feita mas é incapaz de se
comover perante o sofrimento dos outros – o sofrimento real.
A nossa geração tem desaprendido muito sobre amor e
compreensão: amar é, cada vez mais, para os fracos. Mães e pais despreparados
estão, cada vez mais, surtando – por não saberem o que fazer, berram ou
simplesmente ignoram.
O que antes eram paixões adolescentes fulminantes, agora são
crushes: o bom e velho amor platônico com uma nova roupagem.
Vivemos tempos em que todo mundo tem a obrigação tácita de
querer pouco ou nada, todo mundo tem que se bastar, ir em frente, ignorar as
próprias dores, se valer sozinho.
Para uma geração que quase vive virtualmente, é pedir
demais. A conta não bate.
Há – e que haja! – quem me acuse de exagerada e
conspiracionista, mas não é sintomático que, justo nessa geração desapegada,
bem-resolvida e feliz sob os filtros do Instagram, a Netflix seja um sucesso
absoluto?
Não é sintomático, no mínimo, que a juventude do século XXI
esteja trancada em casa maratonando séries no sábado à noite porque já não tem
paciência (ou habilidade, nunca saberemos) para relações interpessoais?
Não é sintomático, sobretudo, que a série mais assistida da
história da Netflix seja justamente uma série sobre suicídio?
Os nossos jovens estão se suicidando, e cada vez mais,
porque a gente não presta atenção neles. A gente também não presta atenção na
gente. Estamos preocupados em fazer piada de suicídio na internet e, quem sabe,
ganhar uns likes. Na geração dos egos inflados, não sobra espaço pra mais nada.
Não é o desafio da baleia azul que está matando os nossos
adolescentes. É a nossa insensibilidade.
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